A Colheita no Distrito 09

Eu estava completamente desolado, não sabia mais onde Andie estava e muito menos como!
Acreditava que depois de tudo, Bonnie ainda teria chances de ganhar os jogos e um pouco da minha culpa poderia ser levada embora, juntamente com os mantimentos a mais que nosso distrito poderia ganhar se ela fosse mesmo a vitoriosa... Mas não... Definitivamente a sorte não estava a meu favor a muito tempo.

Era dia de colheita. Não havia dormido bem.
Eu estava com mais machucados que o normal, pois meu tio vinha me espancando com mais frequencia, já que meu rendimento havia caído e eu estava entrando em uma fase muito obscura da minha vida em relação a sentimentos, que me bloqueavam de ser mais produtivo. Peguei minha melhor roupa pois pensei que já que estava completamente estraçalhado por dentro e até mesmo em certos pontos do meu exterior, talvez estar arrumado pudesse aumentar meu ânimo e ajudar um pouco no meu carisma, caso o pior acontecesse.

E lá estava eu, me inscrevendo mais vezes do que o necessário para conseguir tésseras a mais. Eu esperava de todo o coração que Andie não estivesse fazendo o mesmo agora que ela estava sozinha...

Havia muito burburinho, muitos gemidos, muitos choros.
Separados por idades... Os mais velhos à frente do palco como de costume.

Estava desesperadamente tentando controlar meus sentimentos e não demonstrar o quanto aquilo tudo me afetava. Como se fosse um susto solto um grunhido que estava preso à minha garganta, o que me causou um certo alívio. Então consegui fazer a minha expressão de "OK, vai dar tudo certo" e cheguei até a soltar alguns sorrisos que expressavam minha coragem.
Vi um menino de 15 anos tão pequeno que parecia ter 12, soluçando efusivamente. Quando ele olhou pra mim e viu minha expressão ele acenou positivamente com a cabeça como se respondesse pra mim "você está certo, já sou um garoto e preciso manter minha postura de que realmente dará certo".
Mal sabe ele, que foi ele que me deu forças para não despencar em lágrimas também.

O distrito 9 não é um dos maiores nem de perto, mas mesmo assim todo o alvoroço da colheita não me ajudou a encontrar minha irmãzinha.
Eu olhava para todos os lados procurando pelas suas feições familiares e delicadas torcendo pra que ela estivesse bem.

Ouço o hino de Panem, e então o prefeito começa seu discurso.
Algo que nas palavras dele deveria ser uma coisa muito linda mas que nos ouvidos das pessoas só demonstravam o quanto estávamos todos ferrados e como nossas obrigações para com a Capital nunca terminariam. Mas eu já não ouvia muito bem.
Estava começando a ficar tonto de tanto nervosismo.
Cravei meus pés no chão separadamente para me dar mais apoio, mas parecia que eu desabaria a qualquer momento quando então, aquela mulher bizarra anunciou o começo do sorteio.

"Chegou a hora de selecionar os nobres e corajosos tributos que terão a honra de representar o Distrito 9!"

Eu prendi minha respiração e tudo começou a ficar meio escuro...

Sim, tudo ficou escuro...
Encontro o olhar de Andie finalmente, no meio da multidão que se abriu para dar passagem a ela.
Não sinto minhas pernas, elas não respondem à minha vontade de querer correr até ela e fazer com que ela não suba naquele palco! Ela não!!!
Elas não! Andie querendo ou não tem uma vida crescendo dentro dela!
Sinto que dentro de minha cabeça eu já estou morrendo e me debatendo e gritando loucamente, mas quem me olha apenas vê uma pessoa como se fosse uma estátua.
Estou paralisado, não respiro, não tenho cor. Estou morrendo...

Então, inesperadamente, vejo aquela garota morena com quem discuti a uns dias atrás se voluntariando por Andie! É claro! Ela deve ter fugido para a casa dessa menina que a ajudou na praça! E por um momento sinto um alivio tão grande, pois sei que poderei cuidar da minha irmã. Mas ao mesmo tempo que eu torço por essa Valentinne, sei que eu nunca poderia retribuí-la de uma forma justa, nem se ela voltasse viva dos jogos...

Esse alívio dura muito pouco.
Eu já pressentia que isso iria ocorrer...
Não tenho sorte MESMO.

"ALEX BERNHARDT!" anuncia a monstrinha da Capital

Não sei a quanto tempo estou sem respirar, não sei como ainda estou vivo na realidade.
Esse turbilhão de emoções me deixou abalado demais.
Sei que agora não posso demonstrar o que sinto por dentro e é isso que faço.
Coloco em minha cara minha expressão do modo "divagando sobre o universo e coisas esquisitas". Tento pensar em cheiro de pão fresco, em por do sol, em árvores e animais bonitinhos. Vem funcionando comigo todos esses anos trabalhando aqui no meu distrito.
Sabe, muitas pessoas simpatizavam comigo até. Sou um tipo de cara que sabe lidar com pessoas, e é por isso que ao escutar todos os burburinhos de surpresa da população eu apenas continuo andando e disfarçando.
A unica coisa que não consigo disfarçar é em como meu sangue parece que parou de correr pelas minhas veias. Estou pálido como um fantasma.

Essa foi a distancia mais curta que percorri e com certeza a mais demorada da minha vida.
Olho para o palco e vejo que minha parceira agora tem uma cara de descrença quase tão grande como a de Andie.
Não ousei olhar para ela de novo, senão meu interior desabaria por completo e isso refletiria em meu exterior.

Por mais que Andie me abale, e muito, tenho consciência que agora estou nos telões de todos os distritos de Panem, e que essa minha caminhada será reprisada diversas vezes.
Não há mais volta, não há mais voluntários. Sou eu que defino meu destino a partir de agora.
Obvio, antes de entrar na Arena né, já que lá dentro estarei sujeito ao amor da Capital e à ira de gamemakers sedentos por sangue.

Subi no palco, cumprimento Valentinne.
Tenho minhas mãos um pouco trêmulas, mas disfarço isso acenando para uma das câmeras visiveis.
Olho para a minha futura mentora que tem uma cara de "acabem logo com isso e vamos ao que interessa" e consigo fingir algo que seria um esboço de um sorriso.
Ela me olha de cima a baixo e já desvia seu olhar.

"Bons jogos vorazes"
A colheita se encerra, e sei que junto se encerra minha vida e meus sonhos.
Assim como a proteção que Andie havia adquirido.

Parece tudo tão irreal pra mim... É como se eu estivesse em um sonho. Não... Em um pesadelo.
Meu corpo adormecido não responde na hora em que eu preciso, então os pacificadores me levam pra dentro do edifício quase que me empurrando.

Sou colocado em uma das salas, sozinho.
Fico à espera da minha visita, Andie.
Não sei o que dizer à ela. Eu a amo tanto e quero que fique protegida, mas não sei como posso fazê-la seguir em frente sem mim, sem Valentinne.
Andie sempre se mostrou muito dependente dos sentimentos dos outros, e agora seus dois pilares estão indo embora... Novamente...

A porta se abre e ela corre para meus braços, chorando descontroladamente.
Eu a aperto em meus braços, fecho o punho e então esfrego sua cabeça dando um sorrisinho de deboche, como eu fazia quando éramos crianças e eu queria irritá-la na frente de nossos pais.
Andie dá uma leve risada ainda chorando, então eu digo a ela:

- Andie, não se preocupe comigo dentro daquela Arena. Tente não assistir as piores partes, e saiba que eu não vou desistir!

Eu sei que não tenho chances... Todos esses anos e apenas um único tributo do distrito 9 venceu os jogos. E os carreiristas vem treinando muito mais, agora que essa carreira se popularizou, mas tento não transparecer esse medo à ela.

- Alex, como vou viver agora?

Sei que não sou mais o protetor de Andie nesse momento, preciso fazer com que ela entenda que o mundo não é fácil. E então, faço a coisa mais difícil que já fiz em toda a minha vida.

- Andie, você tem que aprender que não pode mais depender de ninguém! - Falo seriamente, e ela até me olha estranhamente. Então continuo - Nós vivemos todos esses anos sem papai e sem mamãe, tudo às minhas custas, entendeu? Pare de choramingar agora e vá trabalhar! Você ainda tem alguns meses antes de ficar incapacitada então aproveite este tempo para fazer uma boa reserva de dinheiro! E quanto a mim, deixa que eu me viro sozinho e faça você sua parte aqui fora! Não é mais você que depende de alguém, e sim seu filho que depende de você!

Nunca fui tão severo com ela...
Na verdade, acabei só falando verdades, mas meu tom de voz era muito mais seco e rude do que geralmente é. Não posso deixá-la ser uma fraca aqui fora dos jogos.
Se eu voltar - o que acho muito dificil, mas não descarto como possibilidade - ela não pode ter se matado sozinha, se não meu esforço será em vão!

Andie soluça muito. Acho que ela entende que estou falando a verdade, e isso a faz ficar ainda pior. Ela chora demais...

- Engula esse choro e vá se despedir de Valentinne - digo

E então ela vai parando de chorar e começa a cantarolar a música que nossos pais cantavam para nós quando pequenos. A música que eu sempre cantarolava quando eu não queria mais ver a cara de dor das pessoas. A música que representava o desespero que antecedia as mudanças. E que era sua forma de dizer: "eu confio em você"

A porta abre e os pacificadores já estão puxando Andie para fora, e então eu grito à ela:

- EU TE AMO! - e a porta se fecha sem eu ver se ela ouviu mesmo, e sem ver qual foi sua expressão no momento.

Pronto. Acabou.
Me dou conta do que irei passar daqui em diante e solto todas as lágrimas que tenho.
Parece que na verdade solto todo o líquido que tenho em meu corpo inteiro, pois as lágrimas não param de escorrer.
Fico chorando um choro silencioso com minha mente a mil gritando coisas horríveis, até que não tenha mais nada para chorar ou pensar.
Hora do Alex garotinho sapeca do 9 se desvencilhar desse corpo e dar espaço ao Alex tributo masculino da 26ª edição dos Jogos Vorazes.